Conexões de Saberes-UFG

17 março, 2007

Conectando saberes: saúde e ciências humanas

Uma análise superficial das ciências revelaria um distanciamento, considerado por muitos como óbvio, entre a saúde e as ciências humanas, entidades paralelas, porém distintas e particulares o suficiente para impedir qualquer ligação entre ambas. Entretanto, existe uma estreita relação entre saúde, arte, filosofia, história, que não pode ser esquecida, como tem feito a sociedade moderna, quando separa a saúde das ciências humanas. Não é saúde também um objeto de estudos das ciências humanas?

O sistema neoliberal, com sua lógica mercantilista e reducionista, distanciou totalmente a saúde de valores humanísticos, tornando o profissional de saúde um prestador de serviço e o paciente, um cliente. Isto transformou a relação profissional – paciente, relação esta até então estreitada em laços humanizados, em uma relação mercadológica, de simples troca de serviço.

Ao criar o Projeto HumanizaSUS, o Ministério da Saúde inicia um trabalho de (re)humanização da saúde, tentando resgatar para a saúde pública valores corrompidos pelo sistema neoliberal com sua lógica mercantilista. Nesse contexto, oferecer saúde não significa apenas atender a doença do paciente, mas sim, reverter esta lógica, de forma a levar em conta, também, as questões psicológicas e culturais, para um atendimento integral ao cidadão. Para conseguir isso, é preciso sem dúvida que a saúde esteja totalmente inserida no contexto das ciências humanas e sociais, reaproximando esses saberes distintos, porém indissociáveis.

Para corroborar com esta nova perspectiva de saúde, as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Medicina, estabelecem que a “estrutura do curso de Medicina deverá incluir dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno atitudes e valores orientados para a cidadania”. Desta forma, o profissional da saúde deve atuar na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano.

A saúde perdeu seu caráter humanista devido à enorme influência que a prática médica sofreu de uma visão reducionista e mercantilista, tanto de Homem como de Ciência. Para frear este processo de (des) humanização da saúde, faz-se necessário abortar toda e qualquer tentativa de distanciar a saúde da arte, da cultura, da filosofia, e porque não dizer da literatura. Aliás, já há algum tempo, a literatura vem tentando conectar arte e saúde. A literatura, em certo sentido, modificou e aproximou a relação entre saúde e arte, ao se tornar porta-voz, em muitas ocasiões, das necessidades e anseios do brasileiro no que se refere às suas condições de saúde.

Conectar saúde com arte, ética, filosofia, sociologia, literatura e muitas outras áreas do conhecimento deve ser o passo inicial para o rompimento do paradigma neoliberal que fragmenta o conhecimento em partes distintas e não relacionadas com o todo. O homem deve ser compreendido em suas implicações psicológicas, sociais, relacionais, históricas, antropológicas e culturais.

Parafraseando Godofredo Rangel em fala sobre Euclides da Cunha - “o grande triunfo de Euclides foi meter um pouco de ciência na literatura” - , diríamos que o grande triunfo do homem contemporâneo será introduzir um pouco de arte, de cultura, de ética e de sociologia na ciência da saúde. Apesar de separadas cartesianamente, a saúde e as ciências humanas precisam andar juntas para se garantir saúde em sentido amplo a todos os Jecas Tatus espalhados pelo Brasil.

Enquanto esses saberes forem pensados como antagônicos, continuará existindo um modelo assistencialista que exclui e impede que todos, sem distinção de cor, raça ou status social tenham acesso a uma saúde de qualidade, integral e, acima de tudo, humanizada, capaz de compreender os intricados fenômenos históricos, sociais e emocionais que permitem à pessoa construir seu adoecer.

Alan, estudante de medicina e bolsista.